google.com, pub-5297207495539601, DIRECT, f08c47fec0942fa0 Vila Espanca: Adaptação imediata!

Adaptação imediata!

Alterações climáticas Estratégia nacional de adaptação corre o risco de ficar como mais uma bela peça legislativa, sem mudar nada no terreno.

Pensámos que era mentira. Saiu a 1 de Abril a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC). Afinal é verdade. Embora mais tarde do que outros países europeus, Portugal começa a acordar para a indesmentível realidade das alterações climáticas.


Ao contrário das turbulências passageiras da opinião pública, que conhecidos interesses económicos atiçam a seu proveito (como lembra o economista Paul Krugman num artigo recente), os Estados, com responsabilidades maiores e mais profundas, tratam de encarar o problema. Não é preciso, nem possível, esperar pela certeza exacta e absoluta de todas as vertentes das alterações climáticas para reconhecer os seus impactos, sendo essencial tomar medidas de forma coordenada à escala transnacional, já que o clima é o fenómeno menos parado e menos paroquial que existe na natureza.

Depois de Copenhaga, o sentido ficou definido. É pena que se tenha retirado esperança e energia às medidas de redução das emissões dos tais gases que andam a contribuir para isto tudo. Mas é provável que no México e noutras reuniões internacionais a redução das emissões venha a ter mais importância, sobretudo por causa dos apertos energéticos. A verdade é que, desde Copenhaga, do que se fala é de "adaptação", ou seja, assumir que as alterações climáticas não são traváveis e que os seus efeitos vão ter interferências profundas em todos os aspectos da vida dos países.

Não há memória de, a uma escala tão vasta e publicamente tão reconhecida, um fenómeno da natureza impor transformações voluntárias à sociedade. E as transformações urgem. Não se trata de exortar à salvação das almas, mas ao salvamento das vidas e bens; e isso requer medidas, metas, planos de acção, estratégias concertadas, antecipação e um acordo amplo sobre características essenciais do fenómeno.

A ENAAC, que entrará hoje em vigor, estrutura-se em quatro objectivos: informação e conhecimento (sobre previsões, indicadores e cenários); redução da vulnerabilidade e aumento da capacidade de resposta (em particular a fenómenos meteorológicos extremos: tempestades, cheias e secas); participação, sensibilização e divulgação (de tudo a todos); cooperação a nível internacional (União Europeia e Comunidade de Países de Língua Portuguesa).

Estes objectivos projectam-se sobre nove sectores-chaves que serão altamente afectados: ordenamento do território e cidades; recursos hídricos; segurança de pessoas e bens; saúde; energia e indústria; biodiversidade; agricultura, florestas e pescas; turismo; e zona costeira.

O que se preconiza para todos estes sectores serão acções designadas "no regrets" - daquelas que quando chega o balanço não haverá nada a lamentar; antes pelo contrário, trarão sempre vantagens ao país.

O documento, que é da maior importância e utilidade, prevê um período para o seu desenvolvimento (demasiado longo: 21 meses) e uma comissão interministerial para a sua condução.

Corre, no entanto, o risco de definhar por quatro razões. Por um lado, as alterações climáticas não aconteceram; estão a acontecer e desenvolvem-se. As ciências que as estudam precisam de continuidade, articulação e reforço. Portugal, que começou de forma pioneira com o projecto SIAM1 e SIAM2, interrompeu em 2006 o apoio e a programação desta investigação, quando era tão importante dar-lhe a continuidade que permitisse chegar ao ponto seguinte, que é o da monitorização. De repente, ficámos num vazio institucional da ciência, o que é um risco inaceitável, justamente quando o problema é 'risco'.

Outro aspecto tem que ver com urbanismo. O documento reflecte-o, é certo, mas deveria ser muito mais desdobrado e específico. Quando olhamos para a previsão dos impactos das alterações climáticas em Portugal, vemos o potencial catastrófico de duas vulnerabilidades que infelizmente entre nós se cruzam: a do litoral (tanto pela subida do mar e erosão costeira, como pelas cheias dos rios) e a vulnerabilidade física do parque habitacional. A ineficácia das políticas de ordenamento do território abriu um terrível alçapão social que as alterações climáticas vêm expor e agravar. Particularmente neste tema, é preciso muito mais e depressa.

Por outro lado, não tendo um plano de acção imediato e viável e sobretudo um orçamento definido, a ENAAC corre o risco de se ficar, como é tão frequente em Portugal, como mais uma bela peça legislativa que honrará mais tarde a memória dos seus autores, mas sem mudar nada no real e no terreno.

Por fim, chegamos à mais embaraçosa das questões quando se trata de políticas de mudança social. A estratégia fala em sensibilização e participação. Mas tudo isso tem de ser traduzido em acções de informação, de educação, de mobilização... recortadas segundo as diferenças sociais, e elas são muitas. É caricato julgar que se mobiliza uma sociedade para a mudança com documentos em papel ou 'disponibilizados' na Net. Mobilizar começa por aprender a ouvir. Está quase tudo por fazer neste campo.

A ENAAC a 1 de Abril parecia mentira; a 1 de Maio, mãos à obra, que é trabalho.


Nuvem, moral e proveito

A erupção vulcânica da Islândia é um tema inesgotável. De repente a atmosfera ficou infrequentável e todas as atenções se concentraram nela. Dependemos dela para muito mais do que respirar. Pelo menos o Presidente da República já está bem ciente do facto. Na longa viagem rodoviária que o trouxe de Praga a Belém, terá seguramente meditado sobre a nossa condição atmosférica e decerto isto lhe reforçará a sensibilidade às questões ambientais. Questões essas que se parecem cada vez mais com histórias de moral e de proveito. Não se luta contra a natureza aos murros e pontapés. Só com inteligência, ciência e cultura - e vamos precisar cada vez mais de as usar.

Água vem, areia vai

Murros e daqueles que fazem sobretudo doer as mãos de quem os dá será, por exemplo, gastar este ano 100 milhões de euros a tentar segurar, sem esperança, a linha da nossa costa. Se há sítios onde algumas intervenções podem fazer sentido e, ainda assim, permitem ao país ganhar tempo para corrigir erros passados, noutros a despesa é um desespero total. Total e anual. Despejar toneladas de areia em muitas das nossas praias lembra rituais arcaicos em que se ofereciam tesouros para aplacar forças negativas e transcendentes. No caso de S. João da Caparica, já vão anos consecutivos de areia despejada que a água vai levando (mesmo que não na totalidade). Manda o bom senso, e sobretudo a experiência de outros países, que se pense em recuar do litoral em risco os edifícios, casas, estabelecimentos... que se sabe serem claramente inviáveis a médio prazo. São essas as verdadeiras medidas de adaptação à erosão costeira. Ora se isto já parece evidente para o caso da Fuseta, onde a retirada das casas dos pescadores começou agora a ser feita pelo Polis, porque é que não o é para muitos outros sítios do Algarve? Continuam a prever-se grande cargas de areia para as praias de Albufeira (entre Peneco e Forte de S. João), D. Ana (em Lagos) e troço Forte Novo/Quarteira-Garrão (em Loulé). Sabemos quais são as razões e até podemos compreender algumas destas decisões. Mas é importante que elas sejam publicamente pensadas e debatidas. Se as recargas são insustentáveis a curto prazo pela sua própria natureza, que sustentação cívica pode a decisão ter hoje? Expor e debater problemas destes é que é civicamente construtivo; e toda a resposta de adaptação às alterações climáticas passa pela reconstrução da dimensão cívica que, entre nós, sempre foi tão fraquinha.


Factos e contradições na AML
E a propósito de responsabilidade pública na nossa vulnerabilidade ambiental extrema, o que não se compreende mesmo é que, enquanto se aprovam estratégias de adaptação às alterações climáticas e se discutem políticas preventivas de recuo, se continue a deixar construir mais empreendimentos, casas, fábricas, armazéns, centros comerciais... em leitos de cheia e outros lugares de risco. Reflicta-se sobre dados recentes de um levantamento realizado pelo Instituto de Geografia e Ordenamento do Território (coordenado por José Luís Zêzere) a propósito da carta multirriscos da Área Metropolitana de Lisboa (AML). Nela mostram-se vários factos cruciais a encarar seriamente. A erosão do litoral não pára: só na Cova do Vapor/S. João da Caparica o recuo foi de 10 m por ano nos últimos 40 anos. A susceptibilidade às cheias progressivas afecta 12% do conjunto do território da AML, chegando em concelhos como Vila Franca de Xira a atingir 70% e em Alcochete e Moita 40%. Já as cheias rápidas afectam 1,5% do total da região, com uma incidência de 10% em Odivelas, Loures e Oeiras. Quanto aos designados 'movimentos de massa' ou deslizamentos de terras, só no último Inverno ocorreram na AML cerca de 400, contando com o escandaloso caso da CREL.

Contudo, apesar de tudo isto, a edificação urbana foi crescendo inexoravelmente nas zonas de risco. Entre 1995 e 2007 registou-se um incremento de 22,6% de áreas edificadas na faixa litoral dos 500 metros; um incremento de 51% de edificações em áreas inundáveis por cheia progressiva e 39% em áreas afectadas por situação de cheia rápida (entre casas, fábricas, centros comerciais...). Para as mesmas datas aumentaram em 72% as construções em "vertentes perigosas"... Os concelhos onde a situação é mais gravosa são Loures, Mafra, Odivelas e Vila Franca de Xira - para onde, mesmo assim, continuam a ser planeadas e aprovadas mais construções em leito de cheia. Quem boa cama fizer...

Texto publicado na edição do Expresso de 1 de Maio de 2010

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