
Vila Franca de Xira é hoje um grande concelho da Área Metropolitana de Lisboa e um dos maiores – em população – do país. Mas maior não quer dizer, como por vezes se pensa, melhor ou mais desenvolvido. No nosso caso significa apenas mais inchado. Como chegámos a este ponto? É sobre esta questão que adiantarei aqui a minha visão dos processos históricos globais que marcaram as últimas décadas da história do nosso concelho. Há cem anos atrás Vila Franca de Xira era um importante pólo económico e social, centro de um território com vida própria e lugar relevante no país.
A então vila era a capital da Lezíria e dos mouchões, os mais ricos e produtivos terrenos agrícolas portugueses. Era a sede – título que disputava com Santarém – da actividade económica que então predominava. As condições naturais e a acção humana faziam com que a agro-pecuária se distinguisse da pequena economia camponesa predominante em Portugal. Já nesse tempo era uma actividade marcada por uma acentuada lógica empresarial, moderna e avançada para a época. Vila Franca de Xira polarizava não apenas as pequenas freguesias que constituíam o seu concelho (Alhandra seria a única com alguma autonomia e dimensão), mas também os concelhos vizinhos na zona dos montes (Arruda, Alenquer) e da Lezíria (Benavente, Azambuja).
A importância económica e política da Vila tinha tradução na sua vocação comercial e administrativa. Nela se localizavam as feiras, as lojas e os restaurantes da região. Nela tinham delegações todos os órgãos relevantes da administração política e judicial e de serviços como os de saúde e educação pós-primária, que serviam a sua vasta área de influência. A dimensão populacional da sede do concelho era incomparavelmente maior do que a das suas pequenas freguesias. Na Vila, a par dos assalariados agrícolas, residiam os comerciantes, os lavradores, os profissionais liberais, os funcionários da administração. Das freguesias vinham, principalmente, os assalariados rurais das grandes casas agrícolas, contratados em permanência ou à jorna. Nas épocas de maior labor ranchos do que hoje chamaríamos “migrantes sazonais”, como os “ratinhos”, os “caramelos”, os “gaibéus” e outros vinham de longe, deixar na Lezíria o suor que trocavam pelo dinheiro que lhes permitiria viver o resto do ano nas suas terras.
A década de 50 e seguintes, até à crise petrolífera de 1973, foram as décadas da industrialização. Em toda a linha que vai de Sacavém até à Vala do Carregado, a paisagem encheu-se de uma indústria moderna e o Concelho de Vila Franca de Xira, cuja agricultura se mecanizava e capitalizava cada vez mais, passou a ser, além de centro agro-pecuário, uma das mais importantes regiões industriais do país. Escuso de lembrar o nome das empresas em que muitos dos que me lerem porventura ainda trabalharam ou trabalham. A industrialização trouxe mais imigração e as freguesias do concelho cresceram, para albergar os trabalhadores das suas fábricas. A auto-estrada chega a Vila Franca e a Ponte Marechal Carmona faz da terra a encruzilhada de todos os caminhos. A sede do concelho manteve a centralidade administrativa e política, mas compartia já com as outras localidades uma população que aqui ganhava raízes. A expansão urbana inicia-se, mas nessa altura ao serviço da economia do concelho. A industrialização, a par da ditadura política que acinzentava o país, acentuou a tradição de luta popular e operária, sindical e política, por melhores condições de vida e pela liberdade que eclodira nas greves de 43 e 44. Tal tradição forma um novo símbolo da identidade concelhia. Que não anulou a anterior. Antes se cruzou com ela, num interessante mosaico de cumplicidades e contradições que reforçavam um conjunto coerente, forte e plural. O associativismo pujante, com qualquer pretexto ou finalidade (desportiva, recreativa, musical, cultural, social, etc.) é a face mais visível desta nova cultura. Só podia ser esta região, por tudo isto, a sede do movimento neo-realista. A crise de 1973 marca o fim da época de oiro da indústria fordista do (relativamente) próspero concelho de Vila Franca. Permanecem por cá importantes unidades industriais (OGMA, Atral-Cipan, Soda Póvoa, Central de Cervejas, Tudor, Adubos de Portugal, entre algumas outras), mas os despojos das empresas liquidadas são uma marca mais visível. Ao mesmo tempo o concelho conhece uma expansão urbanística que não cessou até hoje. Mas as novas localidades, os novos bairros, as novas áreas residenciais construídas sem aparente ordenamento (como se apenas os interesses imobiliários estivessem presentes) não albergam já trabalhadores das empresas locais, mas principalmente pessoas que vêm dormir a Vila Franca.
Não somos já nós próprios, mas o resultado do que forças externas fizeram de nós. Podia ter sido diferente, face à pressão da expansão metropolitana? A verdade é que outros concelhos que sofreram processos de “inchação” semelhantes ao nosso começaram, a partir dos anos 90, a mudar o rumo. A conter a expansão urbana, a ordenar o território, a apostar nos equipamentos colectivos, a valorizar os recursos locais, a promover agendas culturais relevantes, a criar condições de apoio à transição para a economia do conhecimento e da inovação. Não podemos nós fazer o mesmo? Creio que sim, como procurarei argumentar nos próximos posts, cujas linhas mestras apontam prioridades como o desenvolvimento sustentável assente nos objectivos estratégicos de (re)qualificar o território e a sociedade; de inovar no apoio à economia; de humanizar as comunidades (devolver uma escala humana ao concelho, dar prioridade às necessidades das pessoas, promover a solidariedade); de renovar as identidades, num território a que as pessoas possam chamar seu.
Luís Capucha in Cafe-Vila-Franca
2 comentários:
Nem mais... é preciso "ressuscitar" Vila Franca. Tás a ouvir Rosinha?!?
"Não somos já nós próprios, mas o resultado do que forças externas fizeram de nós" esta frase custou me e mt...... Infelizmente, penso que Vila Franca só comprou o bilhete de ida, e dificilmente voltara a ser o que foi. E se eu já reparei isso com 30 anos de idade, imagino as pessoas com + expreriência pensam...VILA FRANCA SEMPRE!!
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